Há pouco mais de uma década o diagnóstico de sarcoma – tipo de câncer que atinge ossos, músculos, tendões e articulações – significava, na maioria dos casos, a necessidade de amputação do membro acometido e um prognóstico pouco alentador mesmo após o procedimento. Hoje, o avanço dos meios de diagnóstico por imagem, das técnicas cirúrgicas, da quimioterapia e das próteses de reconstrução reverteu esse quadro, permitindo a preservação dos membros atingidos com ótimas taxas de recuperação e qualidade de vida.
Embora ocorram em todas as idades, os sarcomas têm sua maior incidência entre crianças e adolescentes. É o segundo câncer mais frequente nesse grupo, superado apenas pelos hematológicos (leucemias e linfomas). Como atinge, principalmente, quem está em crescimento, acredita-se que seja causado por falhas no processo de multiplicação das células nessa fase da vida. Portanto, trata-se aparentemente de um câncer de origem genética.
Os tipos mais comuns em crianças e adolescentes são o osteossarcoma, o sarcoma de Ewing (ambos quase que exclusivos dessa faixa etária) e o condrossarcoma, que atinge tanto crianças quanto adultos. No Brasil, são registrados aproximadamente 700 casos de osteossarcoma por ano, metade dos quais na região do joelho. O sarcoma de Ewing, que acomete principalmente ossos longos (fêmur, tíbia e úmero), responde por 200 casos por ano, e os outros sarcomas contabilizam 100 casos anuais.
“Na maioria dos casos, esses tumores são diagnosticados em estágio avançado, pois seus sintomas – dor e inchaço local – são confundidos com os causados por traumas de quedas e contusões, muito comuns entre crianças e adolescentes”, diz o Dr. Reynaldo Jesus-Garcia Filho, ortopedista do Einstein e professor livre-docente associado do Departamento de Ortopedia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Como não há qualquer outra alteração no estado geral do paciente, como febre ou indisposição, a busca por uma investigação médica mais detalhada só acontece depois que a dor e o inchaço persistem por muito tempo", completa ele. O atraso no diagnóstico pode fazer com que o tumor seja percebido já em fase adiantada e com metástases, que ocorrem mais frequentemente nos pulmões e em outros ossos.
O diagnóstico diferencial é feito por meio de exames de imagem, como as radiografias, a tomografia computadorizada e, principalmente, a ressonância magnética, que possui maior precisão para estabelecer o exato tamanho do tumor. A abordagem terapêutica tem evoluído consideravelmente, em especial nos últimos anos. Atualmente, o atendimento é feito por equipe multidisciplinar, formada por oncologistas, ortopedistas, radioterapeutas, fisioterapeutas e psicólogos.
Reconstrução com prótese
A cirurgia para ressecção (retirada) do tumor é conduta obrigatória, precedida por três meses de quimioterapia com medicamentos inibidores da divisão celular. São condutas hoje integralmente cobertas por planos de saúde e pelo sistema público. As intervenções são cada vez menos invasivas e, no mesmo procedimento, pode ser feita a ressecção do tumor de base e de eventuais metástases. Em lugar da amputação do membro atingido pelo tumor, a reconstrução é feita com próteses metálicas, as mais modernas de titânio, elaboradas sob medida para cada paciente. A imagem do osso afetado, obtida a partir de tomografia, é processada no Autocad, software utilizado para a elaboração em três dimensões do molde da prótese. “Como o procedimento é microcirúrgico e minimamente invasivo, a recuperação é rápida, a ponto de o paciente poder retornar às atividades cotidianas duas semanas depois da cirurgia”, informa o Dr. Reynaldo.
Pacientes com oito anos ou menos, para os quais não se indicam próteses, recebem transplantes microcirúrgicos de partes de seus próprios ossos – a fíbula é o mais utilizado para essa finalidade. Assim como na reconstrução com próteses, trata-se de um procedimento minimamente invasivo.
Após a cirurgia, os pacientes são submetidos a mais seis meses de quimioterapia. Atualmente vem sendo utilizada a quimioterapia via oral, de baixa dose, durante dois anos após a cirurgia e o término da quimioterapia de altas doses. Os números são cada vez mais animadores. No Brasil, 60% dos pacientes submetidos à cirurgia sem amputação mostram-se curados e com vida normal dez anos depois do procedimento (*). Há 15 anos, a taxa de mortalidade era de 80% após dois anos da cirurgia.
Nas crianças de menor idade, quando o tumor compromete a extremidade do osso e não se pode utilizar a fíbula transplantada, utilizam-se modernamente as próteses extensíveis, que permitem acompanhar o crescimento do paciente que recebe prótese, equalizando o membro oposto, que continua crescendo até a fase da pós-puberdade. Para se conseguir a completa recuperação motora, é necessário que a prótese seja periodicamente alongada, através de pequenas incisões na pele. “No Brasil, o procedimento mecânico para alongamento é realizado em média a cada três meses, podendo o alongamento chegar a até 10 centímetros", explica o Dr. Reynaldo. Nos Estados Unidos vêm sendo cada vez mais utilizadas as próteses de campo eletromagnético, que se alongam sem a necessidade de nova cirurgia. Mas trata-se de um tipo de conduta ainda não adotado no Brasil (**).
Novas terapias vêm sendo testadas em todo o mundo – desde estudos para o desenvolvimento de vacinas até técnicas de congelamento do tumor retirado do paciente, para tratamento dessa parte e posterior reintrodução em seu corpo. São, porém, pesquisas em fase experimental, até o momento sem qualquer indício de efetividade contra a doença. A melhor arma para combater os sarcomas ainda é o diagnóstico precoce. Por isso, dor e inchaço local persistentes, que não regridem após algumas semanas de tratamento com anti-inflamatórios, são um alerta para que se busque, sem demora, uma investigação médica mais aprofundada.
por Elton moreira.
por Elton moreira.