quarta-feira, 19 de outubro de 2016

São Pedro ou São Miguel, quem é o culpado?


Após dois anos seguidos de ocorrência de inundação em Mata-RS, muitas pessoas, nas redes sociais ou até mesmo nos bate-papos informais do dia-a-dia, buscam procurar responder a seguinte pergunta: quem é o culpado pelas extremas chuvas no RS, no inicio de outubro. Como bons católicos que somos, já logo de cara associamos os eventos de precipitação a São Pedro, santo conhecido por “ligar” e “desligar” as torneiras do céu, regulando a precipitação.
Entretanto, a alta quantidade de chuva no período compreendido pelo inicio da primavera, leia-se final de setembro e inicio de outubro, fez com que os católicos implorassem para o santo comemorado nesse período, São Miguel, que “pegasse leve” com as chuvas. Pobre Miguel, não tem culpa de ter sua data comemorada nos fins de setembro. Pergunto-me, não poderíamos chamar de enchentes da oktoberfest? pois, as chuvas de outubro costumam castigar as maiores festas alemãs do Rio Grande. Em Igrejinha, por exemplo, foram poucas as festas da oktoberfest que não ficaram completamente inundadas, já que, o parque de eventos fica junto a rio Paranhana.
Mas de fato, quem é o culpado pelas inundações? O homem que constrói suas casas nas margens dos arroios e despejam seus lixos no pobre recurso hídrico? São Miguel, que os católicos comemoram seu dia no fim de setembro? São Pedro, o regulador das chuvas? ou o asfaltamento da área central de Mata, como alguns sugerem?
Especificamente para a área urbana de Mata-RS, nenhum deles é responsável. Trabalhos muito bem elaborados sobre percepção geográfica, ou seja, popularmente falando, sobre a percepção da população para com os eventos de inundação, mostram algo bastante interessante. Meu colega climatologista e orientador Cássio Wollmann, fez um trabalho, onde indagava através de um questionário, os moradores de São Sebastião do Caí, para ver se eles sabiam quando iria ocorrer enchente e se sim, como conseguiam prever.
As respostas foram claras e unanimes pelos ribeirinhos. Quando o arroio Cadeia (afluente do Rio Caí) inverte o sentido de deslocamento da água, dará enchente. Essa resposta foi fantástica dentro da percepção climática, porém, o arroio não inverte o sentido do fluxo da água, o que acontece de fato é que, como o rio Caí estava cheio, a água do arroio Cadeia passava a represar, e ai iniciavam as inundações.
Para Mata é a mesma coisa. Quando a sanga (que passa atrás do clube) encontra o Arroio Poraíma completamente cheio, acaba por teu ser fluxo barrado, gerando um rápido transbordamento lateral da sanga. Esta, em questão de minutos, inunda a rua da Matriz, a rua do Comércio, e a medida que, o transbordamento aumenta, a inundação chega na rua São Vicente e suas adjacentes, fazendo com que, em minutos, parte da rua fique inundada, com a água entrando em casas e causando preocupação dos moradores.
Mas enfim, a pergunta inicial que tratava sobre o verdadeiro culpado pelas chuvas, ainda não foi respondida. O verdadeiro culpado de grande parte das inundações ocorridas na primavera é conhecido pelos climatologistas como, Complexo Convectivo de Mesoescala (CCM’s). Os CCM’s formam-se, geralmente, em períodos noturnos, na área compreendida pela Argentina e Paraguai, e chegam rapidamente ao sul do Brasil.   
Conforme Velasco e Fritsch (1987), os CCM’s são responsáveis por situações de tempo severo, com presença de fortes ventos, inundações e por vezes granizos. Estes sistemas, então, são culpados por significativa parcela da precipitação pluviométrica na primavera, no Rio Grande do Sul.
Portanto, São Pedro, São Miguel e o asfalto não têm culpa desses eventos de precipitação extrema. A culpa pode estar atribuída ao CCM influênciado pela baixa pressão, formada na baixa do Chaco (Paraguai).
Aliás, sobre o asfalto, estudos sobre o índice runoff, que é o índice de escoamento superficial das águas, mostram que se na área asfaltada o escoamento superficial é de 100%, ou seja, nada é absorvido pelo solo, em áreas com calçamento de paralelepípedo, o escoamento é de 95%, e apenas 5% é absorvido pelo solo. Então, em uma chuva de 100mm, se no asfalto todo esse valor é escoado, no paralelepípedo, 95mm são escoados e apenas os 5mm de chuva são absorvidos pelo solo. 
As explicações de por que os CCM’s ocorrem nesta época do ano podem ser solicitadas pelo e-mail: geojoaopaulo@gmail.com

João Paulo Simioni é climatologista, e está concluindo o mestrado em geografia pela UFRGS.