Após dois anos seguidos de ocorrência de inundação
em Mata-RS, muitas pessoas, nas redes sociais ou até mesmo nos bate-papos
informais do dia-a-dia, buscam procurar responder a seguinte pergunta: quem é o
culpado pelas extremas chuvas no RS, no inicio de outubro. Como bons católicos
que somos, já logo de cara associamos os eventos de precipitação a São Pedro,
santo conhecido por “ligar” e “desligar” as torneiras do céu, regulando a
precipitação.
Entretanto, a alta quantidade de chuva no período
compreendido pelo inicio da primavera, leia-se final de setembro e inicio de
outubro, fez com que os católicos implorassem para o santo comemorado nesse
período, São Miguel, que “pegasse leve” com as chuvas. Pobre Miguel, não tem
culpa de ter sua data comemorada nos fins de setembro. Pergunto-me, não
poderíamos chamar de enchentes da oktoberfest? pois, as chuvas de outubro costumam castigar as
maiores festas alemãs do Rio Grande. Em Igrejinha, por exemplo, foram poucas as
festas da oktoberfest que não ficaram completamente inundadas, já que, o parque
de eventos fica junto a rio Paranhana.
Mas de fato, quem é o culpado pelas inundações? O homem que constrói
suas casas nas margens dos arroios e despejam seus lixos no pobre recurso
hídrico? São Miguel, que os
católicos comemoram seu dia no fim de setembro? São Pedro, o regulador das chuvas? ou o asfaltamento da
área central de Mata, como alguns sugerem?
Especificamente para a área urbana de Mata-RS,
nenhum deles é responsável. Trabalhos muito bem elaborados sobre percepção
geográfica, ou seja, popularmente falando, sobre a percepção da população para
com os eventos de inundação, mostram algo bastante interessante. Meu colega
climatologista e orientador Cássio Wollmann, fez um trabalho, onde indagava
através de um questionário, os moradores de São Sebastião do Caí, para ver se
eles sabiam quando iria ocorrer enchente e se sim, como conseguiam prever.
As respostas foram claras e unanimes pelos
ribeirinhos. Quando o arroio Cadeia (afluente do Rio Caí) inverte o sentido de
deslocamento da água, dará enchente. Essa resposta foi fantástica dentro da
percepção climática, porém, o arroio não inverte o sentido do fluxo da água, o
que acontece de fato é que, como o rio Caí estava cheio, a água do arroio
Cadeia passava a represar, e ai iniciavam as inundações.
Para Mata é a mesma coisa. Quando a sanga (que passa
atrás do clube) encontra o Arroio Poraíma completamente cheio, acaba por teu
ser fluxo barrado, gerando um rápido transbordamento lateral da sanga. Esta, em
questão de minutos, inunda a rua da Matriz, a rua do Comércio, e a medida que,
o transbordamento aumenta, a inundação chega na rua São Vicente e suas
adjacentes, fazendo com que, em minutos, parte da rua fique inundada, com a água
entrando em casas e causando preocupação dos moradores.
Mas enfim, a pergunta inicial que tratava sobre o
verdadeiro culpado pelas chuvas, ainda não foi respondida. O verdadeiro culpado
de grande parte das inundações ocorridas na primavera é conhecido pelos
climatologistas como, Complexo Convectivo de Mesoescala (CCM’s). Os CCM’s
formam-se, geralmente, em períodos noturnos, na área compreendida pela
Argentina e Paraguai, e chegam rapidamente ao sul do Brasil.
Conforme Velasco e Fritsch (1987), os CCM’s são
responsáveis por situações de tempo severo, com presença de fortes ventos,
inundações e por vezes granizos. Estes sistemas, então, são culpados por
significativa parcela da precipitação pluviométrica na primavera, no Rio Grande
do Sul.
Portanto, São Pedro, São Miguel e o asfalto não têm
culpa desses eventos de precipitação extrema. A culpa pode estar atribuída ao
CCM influênciado pela baixa pressão, formada na baixa do Chaco (Paraguai).
Aliás, sobre o asfalto, estudos sobre o índice runoff, que é o índice de escoamento
superficial das águas, mostram que se na área asfaltada o escoamento
superficial é de 100%, ou seja, nada é absorvido pelo solo, em áreas com
calçamento de paralelepípedo, o escoamento é de 95%, e apenas 5% é absorvido
pelo solo. Então, em uma chuva de 100mm, se no asfalto todo esse valor é
escoado, no paralelepípedo, 95mm são escoados e apenas os 5mm de chuva são
absorvidos pelo solo.
As
explicações de por que os CCM’s ocorrem nesta época do ano podem ser
solicitadas pelo e-mail: geojoaopaulo@gmail.com
João Paulo Simioni é climatologista, e está concluindo o mestrado em
geografia pela UFRGS.