domingo, 19 de abril de 2020

Devaneios

Em tempos de pandemia a situação do país complica bastante, salários atrasam, pessoas ficam sem emprego, os hospitais permanecem cheios, famílias ficam sem ter o que comer. Enquanto isso, o governo aproveita para cortar salários, demitir pessoas e muitas pessoas burlam os sistemas para usufruir ilegalmente do valor concedido às pessoas em vulnerabilidade social.
Nós, enquanto sociedade, representamos o primeiro aspecto dos nossos representantes políticos, a pequena corrupção, a corrupção do indivíduo enquanto ser humano, em casa, quando os filhos tomam os salários dos pais e os abandonam em casas de acolhimento ou lares para idosos, quando deixamos de olhar para os vizinhos, colegas e familiares e perguntar se precisam de alguma coisa.
Corrompemo-nos quando enchemos os Facebook de achismos e fotos de ação ditas “comunitárias” para aparecer-se perante a sociedade. Quando confundimos obrigação com serviço voluntário. Quando exibimos para o mundo nossas conquistas em troca de reconhecimento.
Somos hoje a sociedade imersa no falso moralismo, que prega nas redes sociais e em casa espanca a esposa. Pessoas que vão à igreja para fazer fofoca e reparar nas roupas dos outros, que saem às ruas espalhando mentira, pessoas que vão à igreja, não pela fé que tem, mas para exibir doações e serem observadas pelos outros.
Conhecemos famílias imersas na pobreza de espírito, cujos pais não conversam com os filhos. Pais omissos, não observam que as filhas se prostituem e os filhos usam drogas. São muitas famílias destruídas pelo ego de carregarem um sobrenome, cujos cônjuges desmancharam junto às casas de prostituição, arrastados pela lama da soberba e da vaidade, cujas contas bancárias estão flutuando nos órgãos de proteção ao crédito e, mesmo assim, ostentando novos trajes e veículos, nas festas mais importantes.
Pais e filhos não tem mais convívio, famílias se reúnem em volta dos celulares, famílias são destruídas pela ausência de carinho, amor e afeto. Enquanto isso, alguns jovens estão às esquinas procurando consolo nas drogas.
Os empregos com salários elevados estão cada vez mais escassos, enquanto isso, pátios e casas para limpar aguardam rapazes e moças para assumir tais afazeres, todavia, como somente serviços de escritório são procurados, tais vagas permanecem na página do procura-se funcionário.
Estudar é chato, os mais novos gostam mesmo é de rede social. Curtir e compartilhar virou febre, quantos likes recebe indica o quão importante sou. Perfil falso, Fake News, Memes e Kkkkk fazem parte do novo estilo de vida da vida cibernética. Emprego braçal é para velho que não sabe mexer no Facebook.
Jovens querem mesmo aproveitar as faculdades federais, porque lá a sociedade mantém a vida à toa de jovem universitário, à custa de muito imposto. Lá tem internet gratuita e a refeição é à vontade. Se reprovar na disciplina... No ano seguinte tem de novo e, uma hora aprova, o pai e a mãe não vão saber.
Está complicado viver nessa sociedade, cujos impostos se procriam e retorno na saúde, educação, saneamento e agricultura não são vistos, porque políticos são idolatrados pela população, mas os funcionários públicos podem ter os salários parcelados porque o governo não tem interesse na mão-de-obra, uma vez que o salário da elite nunca sofre cortes e reduções.
Sustentar um país nessas condições, em que presidiários recebem abonos e os indivíduos do legislativo e judiciário possuem vale tudo, é uma tarefa muito difícil para o senhor da lojinha, com as portas fechadas por causa dos decretos do Covid-19.
É complicado viver em uma sociedade, cuja corrupção impregnada nos mais variados setores da sociedade começa em casa, com os filhos roubando os pais para comprar drogas. E se alastra no poder público, com superfaturamento fiscal, com a sonegação de impostos e a formação de esquemas de corrupção como mensalão, mensalinho, dinheiro na cueca, caixa dois, esquema “dos laranjas”, empresas fantasmas, fraudes em licitações entre outras tão inimagináveis possíveis.
Diante de tanta crise, ser professor, no Brasil, torna-se, para os jovens uma vergonha, até cursos técnicos remuneram melhor os profissionais recém-formados. Além disso, os professores são agredidos em sala de aula. As aulas em EAD, o Youtube e as redes de ensino pagas possuem mais crédito que a tia do primário, que possui seu salário atrasado, enquanto isso os Pós-doutores viajam para fazer intercâmbios e mandam seus alunos do mestrado ministrarem as aulas, para compensar a antítese entre PHD e professor do estadual do primário. Aos poucos a corrupção vai se alastrando e engolindo aos poucos cada eixo da sociedade.
Aos poucos tornamo-nos parte de um país com distorções na lei. Assim, policiais são colocados na cadeia, no lugar de marginais, por cumprirem uma rotina de trabalho. Famílias choram nos velórios de seus entes queridos que morrem confundidos com traficantes, enquanto bandidos desfrutam dos confortos dos celulares roubados, das contas saqueadas, dos golpes e dos assassinatos por encomenda.
Somos parte de uma sociedade em que assassinos, estupradores, ladrões e outros delinquentes não cumprem pena na cadeia. É complicado sair de casa podendo ser morto na rua por uma bala perdida. É doloroso para a mãe enviar os filhos para a catequese e saber que os filhos foram violentados pelo pastor, é triste enviar os filhos para a escola e ter a notícia que os filhos foram agredidos sexualmente por um docente, ou deixa-los em casa e sofrer abuso por um familiar.
Vivemos dias de insegurança em casa, no trabalho, na família, vivemos com medo do presente e do futuro incerto. A qualquer momento uma guerra mundial pode acontecer e com um milésimo o nosso planeta se dizimado por uma explosão nuclear.
Somos frágeis seres vivos que partilhamos do mesmo espaço com outros animais e plantas. Vivemos em uma galáxia dentre outras tantas e mesmo assim, não aprendemos o bom senso, a humildade e a fraternidade. Não importa o que vai acontecer, o fim é o mesmo, para qualquer ser vivo. De nada adianta uma vida sem sentido, egoísta, pequena e vazia de sentido.
Pode não ser o fim dos tempos, mas pode ser um aviso que alguns de nossos valores estão em devaneios. Perguntamo-nos em que momento nós erramos? Em que momento nós nos desviamos do caminho certo? Ou será que nunca estivemos certos e, por esse motivo, dispersamo-nos para o rumo errado, em definitivo, sem possibilidade de retorno?
Há quem discorde, há quem concorde, enfim, não ou dono da verdade, apenas escrevi um devaneio que me veio...


André Fontana Weber.
Engenheiro Agrônomo e de Segurança do Trabalho, Estudante de Engenharia Cartográfica e de Agrimensura é comunicador e escritor.