Fato que me chamou atenção no
dia 13/12/2012 foi saber que no dia anterior uma amiga e ex-colega de aula foi
picada por uma serpente enquanto trabalhava na lavoura de fumo. Minha pergunta
natural foi:
Como é que ela esta? E minha
grande surpresa foi saber o estado que ela se encontrava. Aí então fiquei
sabendo que ao ser levada ao hospital, aos gritos de dor, ao invés de aplicar o
soro antiofídico (este não existe mais em Mata). Vejam bem! Algum tempo atrás uma
profissional da saúde me informou que a quarta não autorizava mais o tratamento
aqui no município tendo então que se deslocar a São Vicente do sul. Pergunto
então, que procedimento foi tomado? Foi
encaminhado a São Vicente do sul? Segundo comentários São Vicente se encontrava
sem Luz há dois dias então não se poderia usar o soro de Lá. Até aí tudo bem. O
que me apavora foi não terem encaminhado logo para Santa Maria, que de certeza
sei que lá existe o precioso antídoto.
Sabe-se também que em caso de
picadura de serpente venenosa o melhor a fazer é aplicar o antídoto mais rápido
possível. Mais uma vez citarei a conversa com a profissional da saúde, e, como já trabalhei
na identificação da ofidiofauna do município de Mata sei que há espécies potencialmente
venenosas perguntei: qual o procedimento em caso de acidentes ofídicos? Lembro-me que a mesma respondeu-me, a priori se
verifica o tempo de coagulação do sangue e que o antídoto, só de veria ser aplicado
após o sangue não apresentar mais um determinado grau de coagulação (Isso em
minha opinião é um absurdo, porque os estudos científicos apontam que o grande
sucesso no tratamento nestes casos se deve a precocidade da aplicação do antídoto).
Como já fiz um estudo cientifico
(no prelo) sobre esses animais sei bem como se deve agir, assim como, sei as espécies
existentes e quais os primeiros socorros que se deve fazer nesses casos.
Sei também que após varias horas
procuraram o Dr Guilherme (graças a Deus), e este que eu sempre elogiei pela
atenção, educação e principalmente pela responsabilidade, logo viu a gravidade
do caso e rapidamente encaminhou ao Hospital Universitário. Infelizmente pelo
atraso, mais que atraso para fazer o que realmente se deve nesses casos, a
minha amiga se encontra em estado grave com alto risco de vida. Estou indignado!
Sei que a grande maioria da população
(incluindo letrados e não letrados) ainda é muito ignorante quando se trata de
serpentes, então prefiro acreditar que não foi negligencia, entretanto, não se
deve descartá-la.
Estou fazendo aqui apenas um
desabafo, mas, de agora em diante aproveitarei esse espaço concedido pelo amigo
Elton em seu blog para levar mais informações sobre vários assuntos de
Biologia.
Serpentes de Mata
Registrei no município uma riqueza de 24 espécies sendo a maioria não
venenosas, entretanto, (vou usar a nomenclatura anterior a 2010 antes da nova
alocação de gêneros) Micrurus altirostris
(coral verdadeira), Bothrops alternatus
(cruzeira), Bothrops jararaca
(jararaca) Bothrops pubescens
(jararaca pintada muito confundida com a cruzeira) são as espécies
potencialmente mortais do município. Apesar de não ter visto o animal causador
da picadura tenho certeza de que se trata da ultima citada, porque é uma espécie
mais adaptada a áreas degradadas e que em meu trabalho encontrei 95% dos
espécimes em lavoura de fumo. Este animal, possui um veneno muito potente e
efetivo tornando-se muito perigosa em sua área de distribuição, já causando
muitas mortes (principalmente se demora a dar o antídoto).
Acidentes ofídicos Parte I
Os tipos de acidentes ofídicos
no Brasil podem ser classificados em Botrópicos (família das jararacas), Elapídicos
(corais verdadeiras), crotálicos (cascaveis) e laquéticos (surucucu). Vamos falar
do botrópico que é a causadora do infeliz acidente.
O
quadro clínico local, no acidente botrópico se caracteriza por uma picada que
se constitui, na maioria dos casos, em uma inoculação subcutânea ou
intramuscular de veneno na vítima. O sangramento no sítio de inoculação é
freqüentemente observado, porém sua presença nem sempre indica comprometimento
sistêmico. O edema ocorre precocemente, sendo caracteristicamente tenso (ou
firme), apresentando muitas vezes tonalidade violácea em decorrência do
sangramento subcutâneo. A equimose no local da picada pode acometer porção
extensa do membro. O edema inicialmente circunscrito pode em até 24 horas estender-se
a todo o membro. Em poucas horas desenvolve-se linfadenomegalia regional, com gânglios
aumentados e dolorosos, podendo apresentar equimose no trajeto dos vasos que
drenam a região. Algumas horas após o acidente
podem aparecer bolhas em quantidade e proporções variáveis, com conteúdo
seroso, hemorrágico ou necrótico (FRANÇA & MÁLAQUE, 2003). As principais
complicações locais são: abscesso, necrose e síndrome compartimental.
Abscesso, celulite e erisipela
podem ser observadas no local da inoculação. Estas infecções são freqüentes,
devido às condições propícias ao crescimento bacteriano provocado pela reação
inflamatória aguda, assim como pela presença de abundante flora bucal nas
serpentes (bactérias anaeróbicas e gram-negativas). A incidência de abscessos pode
variar de 1 a 17,2% dos casos. Os fenômenos inflamatórios inerentes ao acidente
botrópico dificultam a avaliação clínica da presença de infecção. O edema, o
eritema, a dor e o calor local podem tanto ser provocados pela ação do veneno,
quanto pela infecção local. A incidência de necrose é bastante variável (de 1 a
20,6%) geralmente limitada ao tecido subcutâneo, podendo comprometer estruturas
mais profundas como tendões, músculos e ossos. A intensidade e a extensão da
necrose estão intimamente ligadas à utilização de torniquetes e à demora entre
o acidente e a administração da soroterapia. Em casos extremos pode ser
necessária a amputação de parte do membro acometido (FRANÇA & MÁLAQUE,
2003). Além do quadro de envenenamento local, o quadro sistêmico é extremamente
importante. Pequenos sangramentos como gengivorragias, microhematúria, púrpuras
(equimoses em locais longe das picadas, devido a injeções intramusculares ou
pequenos traumatismos) e sangramentos em feridas recentes podem ocorrer nos
casos leves e moderados. Com menor freqüência pode ocorrer hematúria
macroscópica, hemoptise, epistaxe, sangramento conjuntival, hipermenorragia e
hematêmese (KAMIGUTI & SANOMARTINS, 1995). Em casos graves são observadas
hemorragias intensas podendo acometer órgãos vitais, choque e insuficiência
renal. São relatadas como causas de óbito, hemorragia digestiva e do sistema
nervoso central. A principal complicação sistêmica do acidente botrópico são as
insuficiências renais agudas que podem ser provocadas por coagulação intravascular disseminada e hipotensão.
FRANÇA, F.O.S.; MÁLAQUE, C.M.S. Acidente
botrópico In: Cardoso, J.L.C. (Coord.)
Animais peçonhentos no Brasil: biologia, clínica e terapêutica dos acidentes.São
Paulo: Sarvier, 2003. p. 73-86.apud in: Reis Lucas 2009; Dissertação de Mestrado submetida à Comissão Examinadora composta pelo corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Vigilância Sanitária do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz e por professores convidados de outras instituições, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
KAMIGUTI, A.S.; SANO-MARTINS, I. South American snake venoms affecting haemostasis. Journal of Toxicology, v. 14, n. 3, p. 359-3.apud in: Reis Lucas 2009; Dissertação de Mestrado submetida à Comissão Examinadora composta pelo corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Vigilância Sanitária do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz e por professores convidados de outras instituições, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
LEMA , T. de Os répteis do Rio Grande do Sul: atuais e fósseis, biogeografia e ofidismo.Porto Alegre. EDIPUCRS. 2002 . 264 p
Alessandro Figliero de David
Biólogo Esp.: Biologia da conservação e
tecnologias ambientais
CRBIO: 88007/03-D