quinta-feira, 17 de maio de 2012

OPINIÃO DA RBS.. O Brasil merece a verdade.



OPINIÃO DA RBS

O Brasil merece a verdade

Com um pronunciamento emocionado, diante de quatro ex-presidentes do período democrático, a presidente Dilma Rousseff instalou ontem a Comissão da Verdade, que tem como objetivo prioritário investigar as violações dos direitos humanos durante o período da história brasileira que vai do ano 1946 a 1988 – entre a penúltima e a atual Constituição. Ambas representaram avanços democráticos inquestionáveis. A quinta Carta, promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra e logo após o Estado Novo, restabeleceu os direitos individuais, extinguiu a censura e a pena de morte, além de instituir eleições diretas para a Presidência da República. A Carta vigente, promulgada no mandato de José Sarney, devolveu ao país o Estado democrático de direito, suprimido durante o regime militar.

Até pela proximidade histórica, é previsível e lógico que a comissão se fixe com maior ênfase na investigação dos fatos ocorridos durante a ditadura militar imposta ao país entre 1964 e 1985, para esclarecer episódios obscuros e prestar contas às famílias de pessoas mortas e desaparecidas. Vítima ela mesma de arbitrariedades cometidas por agentes do Estado naquela época, a presidente Dilma Rousseff fez questão de garantir o espírito esclarecedor, mas conciliatório da comissão: “Não nos move o revanchismo, o ódio, nem o desejo de reescrever a história, mas sim o de mostrar o que aconteceu, sem camuflagem, sem vetos” – assegurou. E concluiu dizendo que o Brasil merece a verdade.

O que é a verdade? O escritor francês Romain Rolland deu uma boa resposta para esta questão quase metafísica, afirmando que “a verdade é procurar sempre a verdade”. Ainda assim, ela não encerra a polêmica despertada por outra indagação: qual verdade? O célebre pintor espanhol Pablo Picasso utilizou um exemplo de sua arte para aumentar a dúvida: “Se apenas houvesse uma única verdade, não se poderiam pintar cem telas sobre o mesmo tema”. Existe, realmente, a verdade de cada um, segundo sua formação, suas crenças e suas ideologias. Mas há também verdades universais. Uma delas é o direito à vida. Por isso, atos execráveis como a tortura e a eliminação de pessoas indefesas não podem ser justificados por versão alguma, pois atentam contra a razão e a dignidade do ser humano.

A Comissão da Verdade tem o dever, sim, de revelar ao país quem fez isso, como também o de esclarecer dúvidas que pairam sobre desaparecidos e sobre episódios ainda mantidos em sigilo. A forma adequada de punir os responsáveis pelas atrocidades é outra discussão. O importante, neste momento, é resgatar a história tal qual ela aconteceu. O espírito da lei que instituiu este instrumento de investigação é o de promover o conhecimento, a memória e a reconciliação. Mas a maior das homenagens que se pode prestar à verdade – como registrou o pensador norte-americano Ralph Emerson – é utilizá-la.