OPINIÃO DA RBS
O direito à verdade
Não se pode, de antemão, assumir como verdadeiras as afirmações de Guerra. É legítimo que sejam questionadas a idoneidade do denunciante (acusado de diversos crimes, ele foi condenado a 42 anos de prisão em regime fechado por um atentado a bomba em Vitória e responde a processo pelos assassinatos da própria mulher e da cunhada) e suas motivações (as revelações vêm a público quase 40 anos depois dos acontecimentos). Um fato, no entanto, é de todos conhecido e está inscrito na história brasileira: é ignorado o paradeiro dos corpos de mais de uma centena de oposicionistas que, entre os anos 1960 e 1970, se engajaram em enfrentamento armado com forças policiais ou militares ou foram vistos sob custódia em órgãos públicos.
É inadmissível que o Estado negue às famílias e à sociedade brasileira o direito à memória, ou seja, o de esclarecer total e irrevogavelmente o destino dessas mulheres e homens. A Comissão da Verdade tem essa missão. Não se trata de um instrumento de revanchismo com potencial para ressuscitar conflitos. Trata-se, isto sim, da proposta de resgatar um direito elementar, anterior à democracia constitucional e ao Estado de direito, consagrado pelas grandes religiões e pela arte clássica. Cumpre lembrar, finalmente, que os direitos humanos são um campo cada vez mais internacionalizado do Direito e que não são poucos os que consideram ser sua proteção um dever de todas as nações. Ora, num mundo em que genocidas e outros suspeitos de crimes contra a humanidade são cada vez mais alvo de processos em tribunais internacionais, não podemos cometer o erro de recusar a investigação do ocorrido em seus Anos de Chumbo, sob pena de se correr o risco de nos equipararmos a Estados párias. Verdadeiro ou falso, no todo ou em parte, o depoimento do ex-delegado reforça a convicção de que o Brasil e os brasileiros têm o direito de saber a verdade.